setembro 18, 2003
  [trajetórias]

Na última vez em que redigi um memorial descritivo próprio, lembrei de Marcel Proust. Lá estava eu, num momentâneo presente, tentando seguir as pegadas que havia deixado e recuperar o tempo. Pude sentir a mesma solidão e a urgência que quase nos toca a pele ao ler Em busca do tempo perdido: "eu não estava situado fora das contingências do tempo, mas submetido às suas leis, tal como aquelas personagens de romance [...]" .

Sobretudo, descobri a fluidez do tempo, a sua face mutante. Descobri que, quando se pensa o passado, se refaz o passado e se altera o futuro. O tempo se espacializa e funde trajetórias: combina ciclos, linhas e saltos, pontua; ora se lineariza, ora parece ganhar volume, se esconder em dobras. Um tempo que segue as sendas dos astros, do dia e da noite, da jornada de trabalho que se conta no relógio e, inesperadamente, um tempo que se conta em batidas do coração, tempo do sentimento e de todas as viagens da alma.

Encontrei um tempo sem começo e nem fim, e que só pode ser atestado pelos que contam seu tempo conosco. Um presente inacabado, reinventado a cada vez que planejamos o futuro ou relembramos o passado. Nascemos para nós mesmos a cada instante e não coincidimos conosco. Nosso todo se reflete apenas no olhar do outro, que registra cada uma de nossas mutações e terá, talvez, o destino de desenhar o nosso ponto final.
 
setembro 15, 2003
  [When your day is night alone, hold on...]

Todo retorno é previsível...
É... ?
Ou seria sempre previsível o retorno?
Não sou militante da teoria do eterno retorno e nem do mundo dos fatos cíclicos, onde o que foi outra vez será...
Previsivelmente será... catastróficamente será... será?
Mas o certo é que os retornos existem. E muitos deles que sejam benvindos.
Alguns dispensáveis como o IRPF todo ano, ou o dentista cada seis meses.
Os retornos curtinhos, tipo voltar pra casa chorando... ou cantando...
Dirigir na noite fria... Gerenciar os sentimentos que vão e voltam...
Voltar pra casa acreditando que amanhã doerá menos... A cada vinda...
Menos a cada retorno... Menos quando podia ser mais.
Mas toda morte requer um ritual... O ritual da extinção, do cada vez menos.
A libertação do intenso... para quem nasceu para o morno.
O vazio da ausência de movimento para quem nasceu para correr...
Dizer adeus quando ainda se quer...
... hold on...

Everybody hurts... sometimes...

 
setembro 14, 2003
  [para quem parte]

Pra ler quando sentir saudade...
Muitas vezes quando a hora é de falar, aí as coisas não saem fácil. Ficam presas em pedaços dentro da gente. E são alguns destes pedaços que eu estou juntando aqui. Mais uma herança minha para ti levar. Talvez um dia algumas delas possam encaixar em algum momento teu, da forma necessária e, como mágica, de alguma forma vou estar contigo.
Mas, algumas coisas têm de ser ditas, ter sua existência e sua verdade expostas. Tem muito silêncio nesta vida e não quero ser mais alguém a aumentar este fosso de silêncio que afasta, apaga e faz esquecer.
Você foi a melhor coisa que me aconteceu na vida nestes últimos anos e é bom que você anote isso aí. Por que é verdade e por que é bom... E eu pretendo estar presente na tua vida de alguma maneira. A maneira que os nossos caminhos permitirem. Sei lá...
Não estou muito inspirada para escrever. Até agora fiquei fingindo que a tua ida era algo normal, indolor, inodoro e insípido. Mas não é não e eu já roí as unhas e engordei uns 3 kg por conta. Mas não fica triste, vou estar lindona quando for te visitar um dia.
Eu quis ser para ti uma coisa boa, a amiga antes de tudo, como combinamos. Penso que consegui, não sem me apegar, pois eu me apego e não fujo disso. Sou feliz assim.
Um beijo...

"Que o espelho reflita em meu rosto o mesmo sorriso, que eu me lembro ter dado na infância. Por que metade de mim é a lembrança do que fui. A outra metade... não sei..."

 
setembro 08, 2003
  [na cidade]

A cidade flui. Escorre entre os dedos, se infiltra em cada espaço, ocupa. Ao mesmo tempo, marca limites, circunda, oprime.
Parte deste todo que se mostra fragmentado, disperso, líquido, eu me re (des) oriento, procuro referências, faróis... Mas, estes se diluem como a barba da cabra de Alice:
- Você precisa correr muito mais que isso para chegar a lugar nenhum...

Nos curtos percursos do dia, faces sem face em todos os lugares. Máscaras sem vida nos assombram. Não eus andam nas ruas, pagam contas, resignados nas filas. Autômatos tomam os mesmos sorvetes, nos mesmos shoppings, depois dos mesmos filmes. Nenhum se lembra do tempo que os cinemas tinham algumas pulgas e ninguém comia pipocas engorduradas.
Mas, a cidade flui, soterra os rostos sem rosto que se reproduzem a cada dia, igualando tudo no mesmo fast food, até que a realidade retorne na novela das oito.
 
setembro 07, 2003
  [escutando o vento]

Muitas coisas só são percebidas na proporção da sua ausência ou no poder dos seus efeitos. O vento, por exemplo, só é notado quando sua falta faz com que as velas dos barcos se tornem inúteis. Ou, quando sua força faz crescer as ondas no mar e deitar os juncos na beira da praia.
Muitas vezes, eu quis ser como o vento. Algo invisível e com tamanha personalidade. Ora manso, acariciante. Ora frio, cortante. Mas sempre imprevisível, livre.
E, muitas vezes, o vento foi meu companheiro. Quando as perguntas se tornam tantas ou quando as respostas possíveis já não são suficientes, sempre se pode escutar o vento.
Como o vento, podemos ou não deixar rastros onde passamos. Desde um perfume de flores distantes até trilhas de destruição. Assim como o vento podemos deixar nossa marca no mundo e nas pessoas.
Assim, se marcas eu venho deixando, que sejam elas as boas marcas. Talvez um certo jeito de rir das coisas, a rebeldia, a persistência, ou a necessidade de liberdade. Talvez uma forma clara de amar, ou a inquietude e a capacidade de renascer a cada dia.
Penso que é para me manter consciente destas coisas que mantenho na varanda um daqueles sinos de vento. Aqui no sul eles não têm descanso. Quando tocam, trazem as vozes de outros sinos, de outros lugares, respostas para perguntas que ainda não foram feitas.
Hoje meu sino está parado, uma calmaria cheirando a jasmim no ar de Porto Alegre.
Mas, embora o sol, o horizonte é cinza e rosa e avisa da tempestade.
Alguma coisa me diz que , hoje ainda, o vento vai aprontar horrores lá fora e vou ouvir meu sino tocando feito um louco. Vento sudoeste levando respostas...

:: Porto Alegre, 7 de setembro de 2003, 15h e 30 min.
 
setembro 06, 2003
  Não vai ficar pra semente quem nasceu pra ventania... 
o vento do sul abre trilhas no tempo

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