Quando eu era criança gostava de quebra-cabeças. Quanto mais difíceis melhor. Quanto mais e menores peças tivessem, melhor. Gostava, também, de albuns de figurinhas. Coloridos, de preferência daqueles onde as figurinhas vinham num pacotinho fechado semanal. Sempre uma esperança, quase sempre uma surpresa. Cedo descobri que sempre faltavam peças no final do quebra-cabeça. E não lembro de ter, algum dia, completado um álbum. Incompletude... Somos e vivemos histórias inacabadas. Casas quase decoradas, cursos quase terminados, metas quase cumpridas... Sinfonias inacabadas é o que somos. Textos sem ponto final. Vivemos colecionando espaços vazios. O pior é que objetivamos as finalidades. Empurramos nossos começos para que peguem no tranco. Buscamos o pleno, quando a regra é a lacuna. Aquilo que falta desenha canions na superfície de cada dia. E as nossas rugas são rios de ausências. Porém, seguimos impávidos, esperando a figurinha que falta.
Meus passos nas pedras não perturbam a calmaria do ar parado de chuva. O mormaço envolve tudo, morno, quase uma presença. Fragmenta o tempo, quebrando sua corrente lenta, viscosa. Não sei de onde, um sopro quente rodopia. Vento quente envolvendo o meu corpo. Suor, poeira, grama seca. Traz o teu cheiro, um toque leve, um sussurro. Um vento assim, contido, indeciso, desperta coisas há muito tempo adormecidas. Lentamente, silenciosamente, derruba pequenas barreiras erguidas aqui e ali, abre as portas fechadas. E me prende, sem movimento, parte da calmaria. Olhando o céu cinzento e ouvindo a tempestade que cresce dentro de mim.